Queremos hoje aqui render a nossa mais justa homenagem
aquele que foi um arquitecto da Independência e da Paz em
Angola, que nos deixa.
ARMÉNIO DOS SANTOS FERREIRA nasceu a 15 de Junho de
1920, na cidade de Luanda, no popular e antigo bairro das
Ingombotas.
Seu pai, António Cipriano Ferreira, fora
dirigente da Liga Nacional Africana, uma instituição ligada
à dignificação do homem africano e que veio a antecâmara da
consciencialização nacionalista de muitos angolanos.
Arménio Ferreira frequentou o primeiro liceu existente em
Angola, o Liceu de Salvador Correia, em Luanda, tendo
posteriormente vindo para Portugal em 1939, onde se
licenciou em Medicina, em 1946, pela Faculdade de Medicina
de Lisboa.
Seguiu posteriormente para França, onde
se especializou em cardiologia no Hospital de Brousset.
De regresso a Portugal, entrou para a
carreira dos hospitais civis, onde exerceu a profissão com
dedicação, carinho e elevado espírito de humanismo e
profissionalismo. Reformou-se em 1989 já com o estatuto de
Director dos Serviços de Cardiologia do Hospital de Santa
Marta, local onde acabou por falecer, após prolongada
doença.
Como membro da Casa dos Estudantes do
Império, local onde se forjaram também grandes dirigentes
políticos e intelectuais das ex-colónias portuguesas,
Arménio Ferreira exerceu gratuitamente a sua profissão de
médico, dando consultas aos estudantes e a quem
necessitasse.
Também na qualidade de médico do Sporting
Clube de Portugal, clube da sua paixão e a cujos órgãos
sociais pertenceu, publicou vários trabalhos ligados à
medicina desportiva, e participou de várias reuniões
internacionais de carácter científico-técnico, tendo-se
deslocado nomeadamente ao Brasil e a França, a convite,
neste último caso, da Organização das Nações Unidas para a
Ciência e Cultura (UNESCO).
Como activista político, Arménio Ferreira
esteve ligado às primeiras actividades dos nacionalistas
africanos na Casa dos Estudantes do Império, onde trabalhou
com Agostinho Neto, Amilcar Cabral, Lúcio Lara, Pedro Pires,
Marcelino dos Santos, Paulo Jorge, e outras destacadas
figuras do meio político e literário da época.
A sua inquietação maior era para com os
humildes e os mais desfavorecidos. Daí a sua ligação ao
Partido Comunista Português. Mais tarde, na qualidade de
angolano, tornou-se, desde a primeira hora, militante activo
do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), o que o
levou a ser perseguido pela então polícia política do regime
fascista-colonial e preso por actividades políticas que
desenvolvia de apoio aos nacionalistas das então ex-colónias
portuguesas, que lutavam pela independência dos seus países.
Pouco antes da Independência de Angola,
em Portugal, dirigiu o Comité 4 de Fevereiro e o Órgão
Coordenador do MPLA para a Europa, mas a sua formação e o
seu elevado espírito humanista levaram-se a não só a
acompanhar a acção política, mas também a ajudar os feridos
de guerra que vinham a Portugal em tratamento, na sequência
das acções armadas travadas por altura da Independência. Mas
não só estes. Era um aliado natural dos membros do Clube
Marítimo Africano, a quem recebia no seu consultório
particular, na Rua Braancamp, que estava sempre de portas
abertas para qualquer consulta gratuita aos angolanos.
Mas a expressão mais marcante da coragem
política e da militância do Dr. Arménio dos Santos Ferreira
está incontestavelmente ligada ao acto histórico que foi a
sua cumplicidade na preparação e concretização da célebre
fuga de Lisboa para o exílio do seu colega de profissão,
amigo e companheiro de sempre, o Dr. António Agostinho Neto,
e de sua família. Este acto veio a possibilitar que o Dr.
Agostinho Neto se pudesse juntar às forças nacionalistas
que, como único recurso, se haviam levantado em armas.
Depois da Independência de Angola,
Arménio dos Santos Ferreira, na qualidade representante do
MPLA em Portugal, criou as condições para a abertura da
primeira Embaixada de Angola em Lisboa, tendo efectuado
diversas missões ao estrangeiro, nomeadamente aos Estados
Unidos da América, por incumbência do Presidente Agostinho
Neto.
Em reconhecimento da sua contribuição
desapaixonada e sempre desinteressada em prol da edificação
do Estado Angolano, Arménio Ferreira foi condecorado pela
Assembleia do Povo de Angola.
Por tudo isto, e por muito mais coisas
que aqui não foram ditas, é que o Governo da República de
Angola rende a sua maior homenagem ao militante, ao
patriota, ao nacionalista e ao humanista ARMÉNIO DOS SANTOS
FERREIRA, a quem o país muito deve e de quem o país ainda
muito precisava, especialmente neste momento em que novos
rumos são trilhados no sentido de uma paz definitiva e
duradoura que o nosso povo já bem o merecia, e que os
conhecimentos e a experiência dele iriam agora ser tão
necessários. No fundo, esta paz não deixa de ser também um
legado seu.
Nesta hora de dor, em nome do Governo da
República de Angola, apresento as minhas mais sinceras e
profundas condolências à família, à Ana Maria, Tó e aos
netos.
Que as novas gerações saibam erguer bem
alto o exemplo de dedicação e humanismo patriótico legado
por este homem de quem hoje com tristeza e já com saudade
nos despedimos.
(Elogio fúnebre feito pelo Embaixador
de Angola em Portugal, Sua Excelência Oswaldo de Jesus Serra
Van-Dúnem – 18 de Outubro de 2002)