ENTREVISTA DE
SUA EXCELÊNCIA JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS,
PRESIDENTE DA REPÚBLICA DE ANGOLA,
À RÁDIO VOZ DA AMÉRICA (VOA)
- Washington, 26 de Fevereiro de 2002 -
Voz da América – Que ganhos é que
as pessoas em Angola podem esperar da cimeira desta
terça-feira na Casa Branca?
José Eduardo dos Santos - Esta
cimeira foi uma ocasião para troca de ideias, entre o
Presidente dos Estados Unidos da América, e os Presidentes
de Angola, de Moçambique e do Botswana. Tratamos de questões
gerais que têm a ver com a paz, a segurança, a democracia, a
promoção do comércio e do investimento. Portanto, resultados
poderão vir deste exercício, em primeiro lugar porque há o
compromisso de uma cooperação para a consolidação da paz, e
a manutenção da segurança na região, e também o compromisso
da administração americana mobilizar empresários privados
para realizarem negócios em Angola. Podem criar novas
oportunidades de emprego, e naturalmente gerar mais riqueza.
VOA - Há alguma área específica em
que o senhor Presidente gostaria de ver um maior
investimento norte-americano?
José Eduardo dos Santos - Bom, há
uma concentração do investimento americano no sector
petrolífero, e temos sugerido e até recomendado que o
investimento se diversifique de tal maneira que ele incida
também nas áreas da indústria, transporte, construção. No
domínio da aviação civil há a perspectiva de estabelecimento
de negócios entre a TAAG e a Boeing. Penso que nos próximos
tempos o impacto deste exercício será sentido na classe
empresarial americana, e poderemos com relativa paz e
segurança, ver a realização de mais projectos noutras áreas
que não o petróleo.
VOA - A questão do dia é a morte
de Jonas Savimbi. Que diferença é que isto fará para a paz
em Angola?
José Eduardo dos Santos - Eu disse
em Portugal que nos últimos tempos o doutor Savimbi fazia
uma avaliação incorrecta da situação e das suas capacidades,
e que este facto, embora anormal, e não inédito, terá
causado muita tristeza, muitas dificuldades aos militantes
da UNITA, e a todos àqueles que acreditaram no seu projecto.
Mas também disse que temos que olhar para o futuro. Temos
que procurar um clima de paz, serenidade, unir, reconciliar
para reconstruir Angola. Portanto, eu penso que agora
poderemos caminhar o mais depressa possível para a paz.
Todos os angolanos deverão saber aproveitar esta
oportunidade, para que criemos um movimento no sentido da
reconciliação, do aprofundamento da democracia e da
reconstrução nacional.
VOA - O comunicado que o Governo
de Angola emitiu na sexta-feira fazia um apelo às pessoas
que seguiam Jonas Savimbi para que deponham as armas, que se
calhar era tempo de Angola seguir outro caminho. O seu
Governo já recebeu alguma reacção do que resta da direcção
da UNITA?
José Eduardo dos Santos - Já
muitas pessoas fizeram esta pergunta. A resposta, ou os
sinais podem não ser massivos, e se calhar não visíveis
agora. Mas, analisemos o que se passou até uma semana atrás.
Verificaremos que houve deserções em massa, houve rendição
de generais, de vários oficiais superiores, portanto, uma
adesão ao processo de paz e de reconciliação. Estes sinais
que parece não serem visíveis agora, se tornarão mais claros
daqui a pouco tempo.
VOA - De que modo é que um
cessar-fogo unilateral ou uma amnistia acelerariam o fim das
hostilidades por parte dos militares da UNITA?
José Eduardo dos Santos - Um
governo nunca faz um cessar-fogo unilateral. O Governo tem
obrigações constitucionais no sentido da manutenção da ordem
e da segurança dos cidadãos. Portanto, enquanto houver
homens armados a realizarem acções militares, como pode um
Governo proclamar um cessar-fogo? Acho que seria absurdo.
VOA - O senhor Presidente disse
várias vezes que a acção militar da UNITA
era obra apenas de tropas residuais. Como
acha que ela ficou militarmente depois de ter perdido o seu
presidente ?
José Eduardo dos Santos - Mesmo
antes já estava bastante fragilizada. Com este abalo penso
que a situação se agravou. E estou em crer que haverá mais
deserções e uma adesão cada vez maior ao processo de
pacificação nacional.
VOA - Quando disse em Dezembro que
havia três cenários para se chegar à paz: rendição, morte em
combate ou captura de Jonas Savimbi. Na verdade, que espaço
de manobra é que Jonas Savimbi tinha nessa altura?
José Eduardo dos Santos - Nunca
falei em rendição. Falei em adesão ao Protocolo de Lusaka.
Portanto, o regresso ao processo de paz, em que a UNITA é
parceira do Governo....qual era a pergunta?
VOA - Que espaço de manobra tinha
Jonas Savimbi nessa altura?
José Eduardo dos Santos - Tinha um
amplo espaço de manobra. Se parasse a guerra e aceitasse
concluir o Protocolo de Lusaka seria saudado pela comunidade
internacional. Mas isto ele não fez. Preferiu continuar o
seu projecto. Ele constituiu um exército ilegal para
derrubar um Governo democraticamente eleito. Claro que foi
mal sucedido.
VOA - Em todo o caso a aplicação
do protocolo de Lusaka continua por se concluir. Como, e com
quem, o Governo vai aplicar o que resta?
José Eduardo dos Santos - Com a
UNITA. Diz assim o Protocolo de Lusaka.
VOA - Hoje há várias UNITAS...
José Eduardo dos Santos - A UNITA
hoje está dividida em várias correntes, mas eu estou em crer
que, num ambiente de paz e estabilidade, estabelecerão uma
direcção. E se não estabelecerem uma direcção, houve um
congresso que elegeu o Senhor Manuvakola como Presidente da
UNITA e que ocupa, digamos assim, dentro das instituições
democráticas o seu lugar e que exerce uma liderança. Mas
compreendemos que esta liderança não é reconhecida por
todos, portanto, nem todos se revêem nela, mas eu acho que
eles resolverão este problema mais tarde ou mais cedo.
VOA - A morte de Jonas Savimbi de
alguma forma pode abrir a uma solução mais rápida para o fim
da guerra em Angola. Certo?
José Eduardo dos Santos - Acho que
sim.
VOA - Posto isto, como será feita
a reconciliação nacional.
José Eduardo dos Santos - O
processo de reconciliação nacional será longo. Ele passa
naturalmente pela aceitação de todos os angolanos do que
define a nossa Lei Constitucional, ou aquela que for
aprovada pela Assembleia Nacional, quando a Comissão
Constitucional terminar o seu trabalho e remeter o seu
projecto. Em segundo lugar, é necessário que os angolanos
tenham a capacidade de perdoar, aceitar a diferença,
conviver em paz e unidos no trabalho para a reconstrução
nacional.
VOA - O problema da guerra do rio
Zaire para baixo poderá ficar resolvido em pouco tempo. Como
ficará a questão de Cabinda?
José Eduardo dos Santos - A
questão de Cabinda.... Muitas pessoas têm dito que as
reivindicações que são feitas resultam fundamentalmente de
uma falta de atenção à resolução de muitos problemas de
natureza económica e social. A paz permitirá libertar mais
recursos para que o Governo dedique maior atenção a estas
províncias. Nós próprios aqui temos feito uma campanha junto
de todas as empresas que trabalham no norte de Angola,
particularmente nas províncias do Zaire e de Cabinda, para
que dediquem mais atenção, canalizem mais recursos para a
reabilitação e construção de infra-estruturas para o
desenvolvimento humano e para a melhoria das condições de
saúde, educação, em suma, para o desenvolvimento daquelas
regiões. Só numa situação de estabilidade e de alguma
satisfação de necessidades básicas poderemos então verificar
se estas reivindicações vão continuar ou não. Mas está em
curso um processo de revisão constitucional. Esta é também
uma questão a tratar no âmbito da reforma constitucional.
Temos que saber o que é que os angolanos todos querem, qual
é a sua opinião sobre Cabinda. Se calhar nem os jornalistas
fizeram ainda esta sondagem.
VOA - O senhor Presidente está a
falar de consultas à população de Cabinda?
José Eduardo dos Santos - Não. Eu
considero Cabinda como parte integrante de Angola. Assim
está na nossa Constituição, assim é reconhecido pelo direito
internacional. Falo da população de Angola. Não
particularizo a população de Cabinda. Falo do povo de
Angola. É uma questão que deve ser resolvida não apenas pelo
Governo, mas pelo povo de Angola. Que autoridade terá o
Governo para desmembrar parte do território nacional? Que
entidade lhe conferiu este mandato? É uma questão a ser
resolvida pelo povo de Angola.
VOA - A guerra poderá ter os dias
contados, e não tarda muito, alguém vai falar de eleições...
Quando pensa que haverá condições para se realizar eleições
em Angola?
José Eduardo dos Santos - Nós
consideramos a paz uma condição essencial para a realização
de eleições, o que não significa que, havendo instabilidade
aqui ou acolá, não possa haver eleições. Há países que
realizam eleições em guerra. Temos Israel, e há outros
países no mundo. Mas para Angola, seria melhor que as
eleições se realizassem numa situação de paz. Mas nós temos
ainda outros problemas por resolver para além da guerra.
Temos 4 milhões de deslocados que têm direito a voto, e
alguns são ilegíveis e podem naturalmente candidatar-se a
deputados ou a outros cargos...Vamos desmobilizar militares
do processo de Bicesse e este de Lusaka não concluído. Há
pelo menos 150 mil ex-militares cuja reintegração social não
se processou cabalmente. Portanto, até chegarmos às
eleições, teremos que resolver problemas como este, e ainda
o recenseamento eleitoral para garantir estabilidade, para
que os angolanos possam escolher em consciência e com
serenidade os seus dirigentes.
VOA - Falou aqui da questão da
Constituição. Como acha que se devem acomodar os poderes do
Presidente da República e de um futuro Primeiro-Ministro, se
é que Angola vai voltar a ter um Primeiro-Ministro?
José Eduardo dos Santos – Bom,
acho que não devo pronunciar-me sobre este assunto, porque
está em curso um debate nacional, estão em curso negociações
e discussões entre os partidos políticos para configurarem
um ante-projecto de Constituição. Portanto, não seria de bom
tom, na minha qualidade de Presidente da República,
influenciar agora esta discussão. Poderei pronunciar-me mais
tarde.
VOA - Angola e o Fundo Monetário
Internacional estão a desenvolver um programa sem
interrupção há coisa de dois anos. Em todo o caso parece não
haver um entendimento em relação à questão dos empréstimos
garantidos com recurso ao petróleo. O FMI parece irredutível
nesta posição. Que saída é que o senhor vê? Está o Governo
angolano na disposição de prescindir disso ou haverá outra
alternativa?
José Eduardo dos Santos - Veja,
estes fundos não foram emprestados pelo FMI. São receitas
próprias do Governo angolano, governo de um Estado soberano
e que deve exercer a sua soberania sobre estes recursos. E o
Governo deve prestar contas sobre a utilização destes
recursos aos outros órgãos de soberania e não ao Fundo
Monetário Internacional. Portanto, há aí uma actuação
incorrecta do FMI, e nós temos criticado a acção policial do
FMI em relação a Angola. Não é esta a missão do Fundo. Acho
que não é isto que está nos seus estatutos. Estamos de
acordo que tenham acesso às estatísticas sobre a nossa
economia, possam fazer o acompanhamento da economia global,
mas também achamos que devem ser respeitados os direitos de
soberania do Estado angolano.
VOA - Resolvido o problema da
guerra daqui a quatro, cinco, seis meses, como será
resolvido o problema da corrupção?
José Eduardo dos Santos - O
problema da corrupção nenhum Estado resolveu. O senhor pode
indicar um Estado do mundo que não tenha problemas de
corrupção? Há aí uma organização que normalmente publica uma
ordem de precedência sobre a corrupção em diferentes partes
do mundo. Portanto, há corrupção em todo o lado. O nosso
Governo realiza o que pode para combater a corrupção, este
mal. Até porque os recursos são parcos e eles devem
aplicados da forma mais racional possível. Quer o Governo,
quer o Parlamento, quer os órgãos judiciais, actuam sempre
que se deparam com casos e provas sobre actos de corrupção.
VOA - Os níveis em Angola são
elevados não são?
José Eduardo dos Santos - Não
acredito que sejam mais elevados do que noutros países.
Penso que Angola deverá ser daqueles países em que os níveis
de corrupção são mais baixos. Há o fenómeno da chamada
corrupção generalizada do pequeno funcionário, mas não é
esta a que me estou a referir. Esta decorre da situação
conjuntural, dos vencimentos baixos, falta de emprego, etc.,
etc. Não é esta a que me estou a referir. Mas em relação a
praticada por altas entidades, governantes, funcionários
públicos de alto escalão, aí sempre que há matéria e há
factos, o Governo e o poder judicial intervêm.